Nápoles – quem visita chora duas vezes, diz o ditado popular

 

 

 

Nápoles – quem visita chora duas vezes, diz o ditado popular

Nápoles, capital da Campânia foi fundada no século Vlll a.C.  Com cerca de 980.000 habitantes apenas na área metropolitana, é a terceira cidade mais populosa da Itália. A cidade, distante apenas 227 km de Roma, cerca de 1 hora e 20 minutos de trem, tem como padroeiro o santo San Gennaro, de quem inúmeros napoletanos são devotos.

Nápoles faz parte do sul da Itália, região bem mais quente que o norte e por sua localização geográfica (Itália meridional), os sulistas são também chamados de meridionais.

Castelo Maschio Angioino

Já se passaram cerca 15 anos desde a primeira vez que fui à Nápoles. Foi amor à primeira vista. De lá para cá perdi a conta de quantas vezes voltei.  Posso visitar todos os lugares da Itália, mas Nápoles é um destino certo. Sinto necessidade ainda que seja só para dizer oi e tchau.

Ironicamente, foi o filme Only you com Marisa Tomei – que em italiano se chama “amor à prima vista”- que me fez desejar muito conhecer Positano, que fica nos arredores de Nápoles.

Vista do Castelo Dell’Ovo

Nápoles é também chamava de Patérnope, porque segundo a lenda, a cidade foi fundada pela sereia grega que levava este nome. Existem várias versões da lenda e uma delas conta que Patérnope era apaixonada por Cimone,  mas foi proibida pelo pai de se casar com ele, pois já estava prometida a outro. Os jovens fugiram para onde é hoje a cidade de Nápoles. Outra lenda conta que Patérnope se apaixonou por Ulisses, quando ele por ali passava e como foi recusada por ele, cometeu suicídio nas aguas napoletanas.

A verdade é que em Nápoles o que não faltam são lendas repassadas de geração para geração.

Artista de rua vestido como Pulcinella canta na entrada do castelo, em troca de dinheiro.

A cidade tem alguns personagens, mas a máscara mais famosa da tradição partenopea é a de Pulcinella ou Pulecenella ( em dialeto), indiscutivelmente o símbolo mais conhecido do povo napoletano. Há, inclusive diversas canções dedicadas a ele. Pulcinella é um personagem cujo espírito  ingênuo é também esperto, além de espontâneo e generoso. Embora  tenha sido criada por um artista nos anos 1.500, muitos afirmam que Pulcinella existiu e usava a máscara por ter nariz adunco.  Se em Nápoles alguém usar a expressão “segredo de Pulcinella”, saiba que isso significa que todos irão saber, porque originalmente, segundo a lenda urbana,  o personagem era um túmulo…aberto.  

Beira mar sempre fechada para veículos.

Os napoletanos sofrem na pele o preconceito do povo do norte, que se refere à cidade como perigosa, caótica, suja, cheia de pobres e pessoas preguiçosas.

De fato, o trânsito e a cidade são um pouco caóticos em relação às outras, mas talvez seja o caos que dá toda a magia e encanto à cidade de uma maneira inexplicável.

Nietzsche disse que “é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante”. E Nápoles brilha intensamente.

Vista do castelo dell’Ovo

A bem da verdade, a Itália e os italianos de modo geral deveriam ser gratos à cidade Patérnope, porque muito da cultura italiana conhecida no mundo inteiro é napoletana.

Sem contar que o dialeto napoletano é o mais conhecido no mundo, claro que depois do  toscano por ter sido escolhido  como o idioma oficial  italiano, por causa de Dante Alighieri.

No centro histórico

Alguns dos pratos italianos mais famosos no mundo, foram criados em Nápoles. A dieta mediterrânea é basicamente napoletana.

E a música? Praticamente todas as canções e cantores italianos mais famosos no mundo são napoletanos. Vejamos apenas alguns: Gigi D’Alessio, Massimo Ranieri, Roberto Murolo, Peppino di Capri e, claro Enrico Caruso o mais reverenciado de todos, considerado o maior tenor de todos os tempos.

E não podemos esquecer  a atriz Sofia Loren, nascida em Roma, mas viveu quase toda a vida em Pozuolli. Quando perguntam à Sofia se ela é italiana, ela responde: – Não sou italiana. Sou napoletana.

a mesma resposta é dada por Bud Spencer, outro napoletano famoso.

Sofia é uma mulher cuja beleza fizeram os deuses travarem uma briga com o tempo para preserva-la.

E as canções napoletanas? O mundo conhece Rose rosse, o’sole mio, Il surdato innamorato, Marecchiaro, anema e cuore, core ’ngrato, funiculì funiculà, malafemmena, I’ te vurria vasà, enfim, são tantas que é impossivel nomimar todas.

Eu, brincando de imitar napoletano.

Até mesmo o estilo italiano de ser, tão conhecido mundo afora, é napoletano. O tipo, quase um personagem “tutti buona gente” que fala alto com forte sotaque e gesticulando, alegre, receptivo que mexe com as mulheres na rua utilizando sempre palavras gentis, é o típico paternopei.

Os nortistas são moderados, discretos e meio que detestam o jeito exagerado do napoletano. 

Prócida, umas das ilhas nos arredores de Nápoles

A beleza no entorno de Nápoles é indescritível. Os brasileiros vão pouco para a cidade Patérnope, talvez por não saberem que 10 dias ( talvez uma vida) não bastariam para ver tantas belezas.

Centro histórico

A cidade é repleta de histórias. Há a capela Sansevero onde está o Cristo Velado, castelos medievais, Nápoles Subterrânea, Palacios, praças, igrejas incríveis, o vulcão Vesúvio e o centro histórico que é um museu a céu aberto e patrimônio Unesco.  E tem a poética Marechiaro, um bairro minúsculo à beira mar, onde os artistas do mundo se encontravam e celebravam a vida. Onde tem vários restaurantes com pratos maravilhosos à base de mariscos. A música diz que “ quando a lua desponta em Marechiaro, até os peixes fazem amor”.  

Marechiaro

Na região tem a costa Amalfitana com inúmeras cidades à beira mar, Costa Sorrentina, Salerno, o palácio Regia di Caserta, as escavações em Ercolano e Pompeia, as ilhas Capri, Ischia e Prócida. Tem muitos mais. Muito mais.

A gastronomia é um show à parte. Basicamente à base de mariscos, os pratos da chamada “dieta mediterrânea”,  repletos de sabores e aromas  agrada facilmente a todos. Vou citar alguns apenas. 

Spaghetti con vôngole. Tem coisa mais gostosa? Polvo à luciana. Friarielli con salsicha. São tantos.  A mozzarella de búfala é um produto típico napoletano e não tem pra ninguém: é disparada, a melhor do mundo, inclusive esta é uma verdade aceita até mesmo pelos nortistas.

E a pizza frita? E a pizza margherita? Foi criada em Nápoles por um pizzaiolo da pizzaria Brandi, que tem mais de 100 anos. Não há melhor pizza do que aquela em lugar nenhum. Não à toa, é também patrimônio da humanidade pela Unesco. 

E o spaghetti, meu povo. É napoletano. Voltando à deusa Sofia Loren,  ela diz que deve tudo nela ao spaghetti. 

Os doces italianos, alguns deles famosíssimos no mundo todo, são também napoletanos. O meu preferido é o babà al rum, leve, não muito doce e muito, mas muito gostoso. Há ainda a Sfogliatella Riccia, Sfogliatella frolla uma versão mais simplificada, Ministeriale, Millefoglie, Panna al Caffè, Zeppole di San Giuseppe, Pastiera e Cannolo di grafa, entre outros.

Café stretto

“ Prendiamo um caffè? Ti offro io” é o que você vai escutar sempre. Napoletano ama café, de preferência stretto, que é muito curto e forte. Napoletano  ama oferecer um café. É sua maneira de demonstrar gentileza e simpatia. O stretto é tão forte e pouco na xícara que não dá pra beber em uma golada, dá pra um golinho e eu não sei como, mas eles demoram alguns minutos para toma-lo.

 Em alguns bares mais populares, é comum os moradores pedirem um café e um sospeso. Mas o que é este tal de Sospeso? É um habito filantrópico napoletano que nasceu na época da segunda guerra e significa que o cliente, ao tomar um café deixou um outro pago para os moradores de rua, assim quando um deles procurar por um sospeso, o proprietário irá servi-lo pois alguém já pagou antecipadamente.

Não sei se existiu vida antes desta, mas se existe eu sinto que nasci ou vivi em Nápoles. Confesso que este sentimento me deixa confusa. Não sei explicar, mas simplesmente, sinto-me em casa.

Em Nápoles há duas frases muito famosas. “Veja Nápoles e depois morre” foi dita por Goethe em sua carta de 02 de março de 1787 registrada na obra “viagem à Itália”, onde falou sobre as belezas e resumiu tudo sobre Nápoles com a frase que  significa que você já viu tudo o que precisava ver na vida.

A outra, por tudo o que falam de mal sobre a cidade, diz que “ em Nápoles você chora duas vezes, quando chega e quando vai embora”. Uma vez passado o susto por causa do caos em relação às outras cidades italianas, e a partir do momento que se enxerga a magia de Nápoles, se torna impossível não se emocionar com tantas coisas maravilhosas. Quando vai embora, chora também, mas aí é de saudade antecipada. Muita saudade.

Lungomare di Nápoles

Gente boa e ruim existem em todos os lugares do mundo e quem se atreve a falar mal de Nápoles é porque não conseguiu enxergar seu lado poético e não abriu o coração e a mente para tentar entender sua gente alegre, gentil, solidária e criativa, que ao encontrar um amigo, imediatamente abre um sorrisão e grita “ uè frà” e quando não entende a situação ou não quer opinar diz apenas “boh!”

É inevitável não derramar pelo menos algumas lágrimas, ainda que discretamente, e se isso acontecer, relaxe, significa que subitamente e sem se dar conta, você entendeu toda a magia da cidade Patérnope e o encanto da sereia apaixonada, primeira habitante de Nápoles, recaiu sobre você. E então, acredite, você provavelmente irá chorar, mas apenas de saudade ou de alegria quando retornar. Porque você vai voltar. 

Um agradecimento especial à Gegè Vella e Alberto Del Pozzo. 

11 comentários em “Nápoles – quem visita chora duas vezes, diz o ditado popular”

  1. Olá Sandra…..sem palavras para o que acabei de ver teu aqui no vídeo….e sabes porquê ? Cheguei hoje de lá após 5 dias só andando a pè sentindo e visitando….enfim como entendes….VIVENDO ….cheguei hoje e já chorro e trago ” vir napulè pò muor “….tatuado no braço ….sem palavras …. fiz questão de ser tatuado em napoletano tal como o ” Roberto ” me ensinou , parabéns pelo vídeo e fotos e trago recordações para me alimentar até ao meu regresso a ” Napulè “…. abraco gigante ao meu Anfitrião ” Marco “…..ATÉ BREVE NAPULÈ E GRACIEEEEE?……Pedro

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    • Que alegria receber sua mensagem com um perfeito entendimento a respeito do meu sentimento. Creio que Parténope ” ti ha colpito” e agora você entende perfeitamente a frase ” chora quando chega e quando vai embora” .
      Você entendeu bem. Muito obrigada.

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  2. Sandra Bellissima descrizione di Napoli con il cuore. ,chissà che non sei nata a Napoli in un altra vita. La Ami più te che tanti miei compaesani. Grazie .Sei Bellissima dentro.e. anche fuori..

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    • Muito obrigada. Mille grazie e si ..la amo proffondamente e direi pure pazzamente, follamente chissà.
      Un saluto da parte di questa brasiliana innamorata di tuo paese e soppratutto del sud.

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  3. Belíssima Nápoles, uma das cidades mais bonitas que eu conheci na Itália. É como foi relatada no texto, linda , se vê o caos no primeiro momento, mas basta o primeiro caffe em qualquer cafeteria que já se apaixona pelo jeito dos napolitanos e pela cidade. Dá vontade ficar só admirando tanta beleza. Subindo para as montanhas a natureza nos embebe com tanta beleza. A Costa amalfitana cada 5 km rodado vem vontade de estacionar para apreciar o mar embaixo e as montanhas em cima, com construções medievais que parecem flutuar…jamais me esquecerei essa cidade. Sem falar na Nápoles velha, onde se adentra em várias vielas (favela) ali precisa ter cuidado, mas quando alcança a antiga arquitetura a gente viaja no tempo, e a pizza? É de comer rezando…Quem gosta de viajar e conhecer lugares maravilhosos precisa conhecer Nápoles.
    Quem sabe um dia voltarei a visita-la? “Boh” Chi lo sà

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